30 ANOS – TRT aprova tese que garante indenização para acidentes nas atividades de risco

A série Decisões Históricas, que comemora os 30 anos do TRT-23, destaca em fevereiro a mudança de entendimento sobre o dever de indenizar o trabalhador que exerce atividades arriscadas, mesmo sem culpa do empregador.

O dia de trabalho vinha correndo dentro da normalidade em uma fazenda do município de Alta Floresta, quando o cavalo tropeçou e caiu em cima do vaqueiro que lidava com o gado. As lesões provocadas pela queda resultaram em internação e cirurgia e, ao final, deixaram o trabalhador incapaz para qualquer atividade que exija esforço físico.

O caso bateu às portas do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT) em 2013 e revelou as diferenças de entendimento que à época envolviam esse tipo de ocorrência: negado o pedido de indenização em sentença da Vara de Alta Floresta, o julgamento do recurso dividiu os desembargadores.    

No Tribunal, o empregador repetiu as alegações aceitas na primeira instância: não poderia ser responsabilizado porque não tinha contribuído para o acidente que ocorreu de modo extraordinário e por uma fatalidade, já que o serviço não era perigoso.

Os argumentos iam ao encontro do pensamento do desembargador-relator que, entretanto, foi vencido. Por maioria, a 1ª Turma de Julgamento do TRT avaliou que a agropecuária, ramo de atividade explorado pelo empregador, era de risco acentuado, conforme Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho.

Os magistrados concluíram que a possibilidade de acidentes no manejo diário com os animais é maior devido às reações instintivas e imprevisíveis. O que é condição suficiente para caracterizar responsabilidade objetiva, aplicada nas relações de trabalho quando a atividade econômica coloca os empregados em situação de risco superior à média.

Responsabilidade

No julgamento do vaqueiro de Alta Floresta, a maioria dos desembargadores entendeu que isentar o fazendeiro do dever de indenizar seria retirar o objetivo da CLT que atribui ao empregador a responsabilidade pela atividade econômica. “Conclui-se que estamos diante de um caso de típica responsabilização civil objetiva, sem excludentes, onde não cabe perquirir a culpa ou dolo do empregador, devendo este simplesmente arcar com o ônus do seu empreendimento”, explicava o trecho do acórdão.

Introduzida pelo Código Civil de 2003, a responsabilização objetiva foi alvo de questionamento ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2019, concluiu que a norma era constitucional. Com isso, fixou a tese para fins de repercussão geral garantindo ao trabalhador que atua em atividade de risco o direito a indenização pelos danos do acidente de trabalho, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador.

Atividade de risco

Em regra, a responsabilidade do empregador em casos de acidente é subjetiva, ou seja, tem obrigação de reparar os prejuízos quando houver culpa ou dolo pelo acidente. O contexto muda quando, em razão da atividade econômica desenvolvida, o risco é superior à que está submetida a maioria dos trabalhadores.

Essas situações atraem a responsabilidade objetiva, quando o direito à reparação independe de comprovação de culpa ou dolo do empregador, bastando a demonstração do dano e a relação com a atividade desempenhada.  É o caso de profissões como eletricista, motorista de caminhão e motoqueiros, que tem uma probabilidade maior de sofrer acidentes quando comparado com trabalhadores de outros ramos.

Caso também dos vaqueiros, função de risco por incluir montaria e trato com animais. Atividade tão comum em Mato Grosso, onde centenas de processos trabalhistas de acidentes nessas condições tramitaram no TRT-23 nesses 30 anos de existência. Nos primeiros anos, aplicava-se a responsabilidade subjetiva. Com o tempo foi estabelecendo novo entendimento sobre o que poderia gerar a responsabilidade objetiva, alicerçado nas mudanças introduzidas pelo artigo 927 do novo Código Civil que passou a valer em 2003 em substituição ao que estava em vigor há quase um século. 

Ao reconhecer a atividade dos vaqueiros como de risco acentuado, o Tribunal deixou de acolher argumentos que alegam o fato do animal ser dócil ou a experiência do trabalhador com a lida no campo. 

Exemplo disso foi um processo de Rondonópolis, ajuizado por um trabalhador que atuou por mais de 20 anos como vaqueiro. Depois de cair no meio da boiada, foi atingido por um coice na cabeça. Sofreu traumatismo craniano e foi submetido a uma cirurgia de urgência, mas permaneceu incapaz de trabalhar por tempo indeterminado.

A longa experiência na lida com os animais foi alegada pelo dono da fazenda, ao destacar que a tragédia foi imprevisível. Mas a alegação não predominou. “Na realidade, trata-se de atividade de risco, em que o fortuito, isto é, a reação inesperada de um animal diante de algum fato corriqueiro ou anormal, é inerente a ele, potencializando-se, assim, a ocorrência de acidentes”, concluiu a decisão.

PJe  0000194-41.2013.5.23.0046 e 0001746-45.2015.5.23.0022

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(Aline Cubas) 

 

 

 

 

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